Popeye; Scooby Doo; Alf, o ETeimoso; Puro Osso; Vingador; Gargamel; Atchim; Gato Guerreiro; Bionicão... Não foi preciso escolher um só, entre tantos personagens queridos, como tema desta festa de aniversário mais do que especial. Estavam todos lá, rodeando o homem que lhes deu voz e lhes garantiu lugar cativo na memória afetiva dos brasileiros. Até mesmo Seu Peru deu o ar de sua graça, nos trejeitos e caretas de Orlando Drummond para as fotos. O ator, dublador e humorista completou no dia 18 de outubro de 2019, nada menos do que 100 anos de vida . E o "Sessão Extra" promoveu uma comemoração íntima na casa do artista, com direito a bolo decorado, velas, faíscas e balões metalizados.
— Que maravilha! Graças a Deus! — exclamou Drummond ao se deparar com o cenário montado: — Mas preciso bater palmas para cantar parabéns? É que estou com uma dorzinha chata nas mãos...
A reclamação é justa, mas soa insignificante, vinda de alguém tão longevo. O ilustre morador de Vila Isabel transborda saúde, segundo dona Glória, de 86 anos, com quem é casado há quase sete décadas e formou uma linda família de dois filhos, cinco netos e quatro bisnetos.
— É admirável! Ele não tem nenhum problema sério. A pressão é 12 por 8, as taxas estão ótimas. Só seguramos um pouquinho para não exagerar no açúcar — conta a senhora de profundos olhos azuis, merecedora do primeiro pedaço de bolo do aniversariante: — Ele circula dentro de casa sozinho. Mas, na rua, o levamos numa cadeira de rodas, para evitar quedas. Orlando adora passear no shopping e comprar sapatos!
Só a memória é que anda falhando ao grande nome do rádio, do cinema e da TV, ultimamente:
— Eu era mais feliz quando me lembrava das histórias... Não estão na cabeça, mas guardo no coração. Sou um homem muito realizado por tudo o que vivi e construí. Não esperava chegar tão longe!
As celebrações pelo centenário de Drummond se prolongam pelo fim de semana. No dia 19 a numerosa família e alguns amigos íntimos estiveram reunidos em Araras, na Região Serrana, para um almoço comemorativo.
— O peru não será servido à mesa, mas estará lá — brinca Drummond, fazendo um trocadilho entre o prato e o icônico personagem da “Escolinha do Professor Raimundo”.
No domingo, é justamente essa turma do barulho que vai festejar o veterano aluno. No último episódio da temporada do humorístico, Drummond surgiu de surpresa na sala de aula, arrancando lágrimas dos colegas de profissão. Principalmente, de Marcos Caruso, atual intérprete de Seu Peru.
— Foi um momento para ficar marcado na história profissional da minha vida — destaca Caruso.
Ao deixar o estúdio, o visitante agradeceu a oportunidade:
— Não tem preço. Enquanto estiver vivo, estarei presente com amor e carinho. Obrigado, obrigado, obrigado.
A escada logo na entrada da casa de Orlando Drummond , em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio, com seus 20 e poucos degraus, é um empecilho para o ator, que está com 99 anos. Apesar de muito bem fisicamente, diz que "as pernas cansam muito rápido". Ele, no entanto, não se cansa da vida. O eterno Seu Peru que encantou o Brasil durante 11 anos na primeira formação da "Escolinha do Professor Raimundo" — com Chico Anysio no comando — completou 100 anos no dia 18 de outubro cheio de boas histórias no currículo e na biografia autorizada "Orlando Drummond — Versão brasileira", escrita por Vitor Orlando Gagliardo, e que será lançada pela editora Gryphus na semana do aniversário do humorista.
Com um sorrisão no rosto, ele recebeu O GLOBO em sua casa. Gaiato, depois dos cumprimentos iniciais, já soltou um:
— Tô porraqui com você — disse ele, imitando o famoso bordão de Seu Peru.
Sobre ele, o humorista conta que bastou ler a sinopse com dados do personagem que, em poucos minutos, já sabia como seria. Até o lencinho amarrado na cabeça foi ideia do humorista.
E se não pedir, ele faz da mesma forma. Durante vários momentos da entrevista, Orlando Drummond mandou alguns bordões, como "Te dou o maior (r)apoio" e "Peru com mel de Vila Isabel". Mas a grande surpresa ficou por conta do biógrafo, que, relata no livro, coisas que nem a própria família do humorista sabia.
— No fim da década de 1920, o box e o remo eram os esportes mais populares no Rio. Nessa época, o Orlando costumava brincar de luta com os irmãos. Vendo que o neto tinha um soco muito forte, o avô o matriculou numa academia de boxe, onde era chamado de Mole-Mole. Inscrito num campeonato para jornaleiros, ele ganhou um confronto e perdeu outro — diz Gagliardo.
— Como era um homossexual bastante afeminado, colocamos roupas justas. É um personagem que, até hoje, todo mundo me pede para fazer — diz Drummond.
Orlando Drummond não reclama da vida. Mesmo com as limitações da idade, está sempre de bom humor. Liga a TV apenas para ver filmes, não sabe quem são os ícones do humor atual, mas é só elogios para Marcos Caruso, que interpreta o Seu Peru no atual formação da "Escolinha".
— Ele está ótimo. Caracterizado ficou até bastante parecido comigo. O Caruso é um ator maravilhoso, não tinha como ficar ruim. Ele dou o maior (r)apoio para ele — diz Drummond, que, em maio, gravou uma participação especial no programa e foi aplaudido pelos atores no final da gravação.
Sobre o centenário próximo, afirma que não imaginava que viveria tanto tempo:
— De forma alguma. Mas é muito bom. Gosto das lembranças da minha vida, das viagens que fiz pra São Lourenço (em Minas Gerais). Também me dá prazer ver meus netos seguindo o mesmo caminho que eu (Felipe, Alexandre e Eduardo Drummond são dubladores). Estou casado há 68 anos. Inclusive, estou esperando minha mulher chegar. Ela foi ao banco resolver umas coisas, eu não posso mais sair, fico mais em casa mesmo. A fisioterapeuta vem aqui três vezes por semana e me coloca para fazer uns exercícios, para eu manter o corpo em dia. Não tenho do que me queixar. Não fiquei rico, mas tenho alguns bens, minha casa própria — diz o ator.
Apesar de nunca ter sentido dor de cabeça nem na coluna, como frisa sua mulher, Glória Drummond, com quem está casado há 68 anos, Drummond sente a fragilidade da memória e, durante vários momentos da entrevista, pede desculpas e chega a ficar constrangido por não conseguir ir adiante em certos assuntos. Do começo da carreira, entretanto, ele não esquece.
— Comecei como contra-regra em rádio. Aí, naturalmente, me chamavam para fazer uma vozinha aqui, outra ali, e acabei fazendo muita coisa. Fiquei bastante conhecido como dublador — lembra o ator.
Realmente, graças a Orlando Drummond, o público entendeu que, por trás de um personagem de desenho animado , existe o talento de um ator. Entre os tantos para quem emprestou sua voz, ele tem os seus favoritos.
— Fiz muita coisa e gostava de tudo. Mas foi com o Scooby-Doo que eu entrei para o livro dos recordes, como o dublador que fez um personagem por mais tempo. Foram mais de 35 anos. Mas teve Popeye, Alf, Gargamel, Gato Guerreiro... — conta.
Reprise recorrente na "Sessão da tarde", na TV Globo, o clássico "A lagoa azul" é carta na manga de Drummond, que só foi descoberta pelo seu neto, o também ator e dublador Felipe Drummond, durante uma audiodescrição do filme para o público cego.
— Quando o Felipe foi ler a ficha técnica, se assustou quando viu que o avô dublou um dos personagens. Esse filme já passou inúmeras vezes na Globo, mas ninguém da família sabia disso — conta o biógrafo.
Outra história curiosa, incluída na biografia de Orlando Drummond, é o assalto que teria sofrido por oito bandidos caso não tivesse sido salvo por Seu Peru .
— Ele voltava para casa, após um dia cheio de gravações, e foi parado por uns bandidos. Mas um deles o reconheceu e disse: "É o Seu Peru". E mesmo com a perna tremendo e extenuado, o Orlando fez uma espécie de pocket show para eles. Além do Seu Peru, imitou outros de seus principais personagens — conta Gagliardo.
Ainda no livro, o autor mostra como Orlando Drummond evitou um assalto em sua casa. Ao ver que um bandido estava prestes a pular pela janela, "sua única reação foi fazer um latido de um cão que ele julgava ser bravo. Ele latiu, latiu e latiu".
— E foi assim que nasceu o latido do Scooby-Doo — conta o biógrafo.
Apesar da fama, Drummond ficou impressionado com o carinho que recebeu em 2017, após um acidente doméstico, que o deixou internado. No hospital, os muitos pedidos de selfies até ajudaram em sua recuperação.
— Como ele quase não sai mais de casa, não usa internet e mora aqui nessa vila há anos, desde que se casou, os vizinhos já estão acostumados com a presença dele. O Orlando já não sofria esse assédio bom há muito tempo. E o acidente, apesar de ter sido algo ruim, mostrou que ele é muito querido, deu um gás — afirma Gagliardo.
E o gás foi tanto que, além de ganhar uma conta no Instagram, que já contabiliza mais de 50 mil seguidores e é administrada por seus netos, Orlando Drummond quer mais é viver. E para se manter em forma, já que não consegue mais ir até a academia, ele faz fisioterapia três vezes na semana.