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domingo, 16 de março de 2014

MODELOS TRANSEXUAIS: RENATA BASTOS

Renata Bastos: “É muito difícil homem assumir relação com travesti”

Com fama de implacável na noite paulistana, hostess fala do processo de se tornar mulher, das relações complicadas com os homens e da vontade de formar uma família com “casa, filho, cachorro e churrasco no fim de semana”

Quem circula nas baladas mais disputadas da noite paulistana já se deparou com a sua figura imponente nas portas das casas noturnas. Com 1,77m – turbinados, invariavelmente, por um bom salto - a transgênero Renata Bastos exerce com rigor o poder de decidir quem entra ou não nesses lugares. Aliás, ela nem se incomoda com a fama de antipática que a profissão hostess costuma levar.
"Quando sou boa, sou ótima. Quando sou má, sou melhor ainda”, brinca Renata, usando a famosa frase da atriz Mae West para responder a pergunta sobre como lida com os clientes inconvenientes, adeptos da famosa ‘carteirada’.
Mas é preciso entender que a aspereza e a antipatia fazem parte do personagem que Renata encarna no trabalho, mas não da sua vida fora dele. A paulistana da Vila Madalena, de 31 anos, conta sua intensa história para a reportagem do iGay com fala pausada, gestos delicados e um jeito doce.
Aos 14 anos, ela decidiu que já era hora de trocar as roupas de menino pelas de menina. E, sem medo, usou peças femininas num passeio pela Avenida Paulista. Mas a percepção de que era uma garota no corpo de um garoto veio muito antes do que isso.
“Com seis anos, percebi que gostava de um menino, mas uma amiguinha me falou que era errado. Aos nove anos, me apaixonei novamente e dessa vez escrevi uma cartinha pra ele que não entreguei, mas minha mãe achou. Falei que não era minha porque ela reagiu mal”, conta Renata. “Foi só aos 13 anos, quando a minha mãe faleceu, que eu consegui me libertar e me assumir”, acrescenta a hostess, com franqueza.

O medo da minha família não era eu ser uma travesti, era a marginalização do mundo, a prostituição, a violência
Mesmo tendo crescido numa família com tios de cabeça aberta e envolvidos no universo da moda, Renata enfrentou preconceito dentro de casa por se travestir. “O medo da minha família não era eu ser uma travesti, era a marginalização do mundo, a prostituição, a violência”, explica ela.

A situação mudou quando ela começou a se envolver com o universo da moda, trabalhando como modelo, aos 15 anos. “Os jornalistas André Fischer e Erika Palomino me chamaram para trabalhos, me mostraram que a estética andrógina era uma boa para mim. Com bons amigos, meu pai ficou mais tranquilo, entendeu que eu era uma mulher, ele me viu como Renata”.

É uma situação louca. Porque o mesmo menino que me chamava de veado na escola, pedia para ficar comigo a noite, queria sexo oral
Me chama de veado, mas quer sair comigo 
Hoje, a aceitação na família é melhor e a relação com o pai é de amizade e cumplicidade. Mas no terreno do amor, Renata ainda não se acertou. “É muito difícil um homem assumir uma relação com uma travesti. Eles têm dificuldade de entender a questão do andrógeno. Eu até fiquei mais feminina por conta disso. Porque muitos me falavam: ‘ela é Renata e não tem peito?’”, avalia a paulistana, que tem planos de implantar silicone nos seios, mas não de fazer a cirurgia de mudança de sexo, pelo menos por enquanto.
Renata enfrenta essa relação complicada com os homens desde a adolescência. “É uma situação louca. Porque o mesmo menino que me chamava de veado na escola, pedia para ficar comigo a noite, queria sexo oral”, relata a hostess, que confessa o desejo de formar uma família. “Quero ter casa, filho, cachorro e fazer churrasco no fim de semana. E com isso, acabo forçando a barra em algumas relações, o que me coloca em situações não tão legais”.
Segundo Renata, muitos homens só percebem que ela é transgênero na hora de ir para cama. “Fui para casa com um cara que conheci em uma festa de hip-hop, mas quando ele mexeu na minha calcinha, e percebeu que eu era travesti, saiu logo pegando o celular, carteira e relógio. Ele achou que eu ia roubá-lo”, lamenta ela, questionando em seguida. “O quê vou fazer nesta situação? Me apresentar e dizer: Oi sou a Renata Bastos e sou transexual?”.
Curiosamente, Renata diz que é muito assediada por lésbicas. “Eu acho bom, é um sinal de que deu tudo certo, que estou feminina. Elas sabem que eu sou travesti, mas tem essa curiosidade. É como oNey Matogrosso, ele mexe com a libido do homem, da mulher, do gay, de todo mundo”, brinca a hostess, dizendo ainda que não se incomoda com os gracejos, pelo contrário. “No dia em que eu passar na obra e não receber uma cantada, eu vou ficar chateada”.
Meu papel de ativista é viver meu dia a dia e mostrar que é possível ser transexual e ter uma vida, uma carreira
Meu ativismo é existir
Além do trabalhar como hostess e modelo, Renata ainda atua com produção moda e, esporadicamente, como atriz. Ela já participou de filmes como “Carandiru” (2003) e “Crime Delicado” (2005).
Diante de todas as atividades, será que sobra espaço para o ativismo no movimento LGBT? Renata responde a pergunta mais uma vez de forma franca: “Meu papel de ativista é viver meu dia a dia e mostrar que é possível ser transexual e ter uma vida, uma carreira”.