Modelos transexuais: “Existe um medo de reconhecer que existe beleza”
Apesar do recente espaço conquistado no mercado de moda, profissionais trans ainda encontram uma incoerente resistência num universo movido a quebra de padrões
O inglês David Gandy, o espanhol Jon Kortajarena e o brasileiro Marlon Teixeira. A grife masculina Sérgio K. costuma escolher tops internacionais badalados para estrelar suas campanhas, sempre clicadas pelo não menos prestigiado fotógrafo americano Terry Richardson. Os anúncios da próxima coleção da marca, a de inverno, não serão protagonizados por um nome famoso, mas por um modelo iniciante, o polonês Oliwer Mastalerz, de 21 anos.
Porém, o grande destaque em relação à campanha, que acaba de ser clicada em Nova York, não é a informação de que o rapaz é um desconhecido, mas fato de ele ser um transexual. Nascido biologicamente mulher, ele fez um processo de readequação de gênero e assumiu uma identidade masculina.
A ação da brasileira Sérgio K. não foi isolada. Nos Estados Unidos, a luxuosa loja de departamentos Barneys escalou um time de 17 modelos transexuais para estampar o seu último catálogo, fotografado pelo celebrado fotógrafo Bruce Weber e intitulado como “Brothers, Sisters, Sons & Daughters”.
No Reino Unido, a trans Carmen Carrera, ex- participante do reality show “RuPaul’s Drag Race”, brilhou na capa da última edição britânica da revista Glamour.
Esta recente abertura do universo da moda para os modelos transexuais empolga por se esboçar como um mercado de trabalho para esta parte bastante marginalizada da comunidade LGBT. No entanto, os profissionais do setor avaliam que o negócio está longe de ser um espaço aberto aos trans.
“O mercado de moda brasileiro é muito conservador, vide a dificuldade de se inserir qualquer coisa diferente do habitual na moda masculina”, avalia Fernanda Heinzelmann, pesquisadora de moda e mestre em Psicologia Social, com ênfase em estudo de gênero na PUC do Rio Grande do Sul.
Protagonista de ensaio exclusivo para o iGay que ilustra esta reportagem, a modelo transexual Glamour Garcia, 25, percebe esta dificuldade desde que começou a trabalhar no mercado de moda, há dois anos.
“O mercado em si é complicado, a alta costura trabalha melhor por conta de conceitos artísticos, porque é algo mais elaborado. Já a moda comercial tem mais dificuldade para falar com a população, que tem uma visão mais negativa do transexual. Grandes marcas querem vender”, avalia Glamour, ressaltando que as grifes populares buscam tops que não causem estranhamento e que provoquem uma identificação com uma faixa mais ampla o possível de consumidores (as). “Existe um medo de reconhecer que existe beleza na transexual”, lamenta a modelo.
A burocracia que dificulta o processo de reconhecimento legal da identidade assumida pelos transexuais também atrapalha, na opinião de Glamour. “Algumas transexuais ficam chateadas de dar o nome de batismo na hora de se inscrever numa agência ou num casting, um ato que é bem presente na profissão de modelo.”
EFEITO LEA T
Lea T é uma das modelos trans mais famosas do Brasil e do mundo. |
A pesquisadora Fernanda aponta a famosa modelo transexual brasileira Lea T, filha do ex-jogador Toninho Cerezo, como um caso de profissional que conseguiu escapar destas dificuldades. Musa do estilista italiano Riccardo Tisci, da grife francesa Givenchy, a top alcançou destaque nas principais revistas de moda.
“Ela é uma protagonista, algo bastante inédito no meio, até pela forma como ela foi recebida e o espaço que obteve. Não sei se isso tem a ver com o fato de ela ser filha do Cerezo, mas acredito que não seja só isso”, pondera Fernanda.
Sócio-diretor da Way Model, agência que representa Lea T no Brasil, Anderson Baumgartner, responsável por agenciar Lea T no Brasil, vê a modelo como um marco. “A grande maioria das pessoas começa a entender o que é ser transexual depois dela. Tudo ainda é muito novo, assustador para muitas pessoas, para as quais uma modelo transexual numa campanha pode deixar o público confuso. Em 20 anos, ela vai ser lembrada por essa ruptura”, projeta Baumgartner.
“Com a capa da revista Elle Brasil, em dezembro de 2011, a Lea mostrou que é uma mulher. Depois fez desfile de biquíni, mesmo antes da cirurgia. Tudo isso gera mídia, obviamente”, pontua Baumgartner, dizendo que a modelo pode não agradar a todos, mas tem um trabalho sólido. “Eu indico ela para clientes e nunca tive problemas com isso”, revela o empresário.
CURVAS SUMINDO DOS CORPOS
Carmen Carrera é modelo da Victoria Secret's |
Mesmo com as dificuldades, Fernanda acredita que a presença das modelos trans é uma tendência natural de um universo que caminha cada vez mais para a androginia.
“Há muitos anos a moda vem descontruindo o feminino e o masculino, os corpos estão ficando mais magros e as curvas dos corpos estão sumindo. A modelo transexual é, em parte, uma junção da representação da androgenia”, teoriza a pesquisadora.
Baumgartner tem uma visão mais pragmática de ascensão das modelos trans, levando em conta trajetória de vida da filha de Cerezo como um ingrediente do sucesso dela. “O meu trabalho é vender uma imagem, se ela não for boa, não adianta. Quis agenciar a Lea porque ela tem uma história e um bom biótipo, como qualquer outra modelo.”
Parte dos consumidores já começa a interferir positivamente em favor das modelos trans. 50 mil pessoas assinaram uma petição para que Carmen Carrera integre o seleto time de modelos voluptuosas da grife americana de lingeries Victoria's Secret, se tornando uma angel, como as tops da marca são chamadas.
O que Carmen quer mesmo é ser incluída plenamente na indústria fashion, como deixou claro em entrevista recente ao canal CNN. "Eu não quero ser rotulada como um modelo transexual... Por que eu tenho que estar à parte na indústria da moda?”, questiona pertinentemente a modelo.