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quinta-feira, 7 de maio de 2020

Ator Flávio Migliaccio se suicidou e deixou carta: “A humanidade não deu certo”


Encontrado sem vida em seu sítio em Rio Bonito na segunda feira 04/5, o ator Flávio Migliáccio cometeu suicídio, segundo informações da polícia, e deixou uma carta melancólica à família em que lamenta a situação do país e diz que a humanidade “não deu certo”.

“Me desculpem, mas não deu mais. A velhice neste país é (…) como tudo aqui. A humanidade não deu certo”, escreve o ator no texto, que circula nas redes sociais e foi confirmado como autêntico por um policial à Fórum.

Na carta, o ator diz ainda que teve “a impressão que foram 85 anos jogados fora num país como este e com esse tipo de gente que acabei encontrando”.

“Cuidem das crianças de hoje”, finaliza Migliaccio na carta.

O ator tornou-se conhecido pelos personagens “Tio Maneco” dos filmes Aventuras com Tio Maneco e Maneco, O Super Tio, e “Xerife” da novela O Primeiro Amor e do seriado infantil Shazan, Xerife & Cia. Ele também interpretou o árabe “Seu Chalita” em “Tapas e Beijos”.

Migliaccio teve grande participação em várias fases do cinema nacional, começando pelo período do Cinema Novo, quando atuou em obras inesquecíveis como “A Hora e a vez de Augusto Matraga”, filme de Roberto Santos baseado no conto de Guimarães Rosa que faz parte do livro “Sagarana”; “Terra em Transe”, o clássico e Gláuber Rocha.

Mais recentemente, atuou também nos dois “Boleiros”, de Ugo Georgetti. 

A última participação do ator na TV foi em 2019 na novela “Órfãos da terra”, no papel de Mamede Aud. Ele também participou do filme “Hebe”, sobre a apresentadora Hebe Camargo, ao lado de Andrea Beltrão.

O advogado Sylvio Guerra, que representa a família, disse que vai processar os policiais por vilipêndio de cadáver e vai buscar indenizações do Estado pelos danos causados “pela absurda, abusiva e mórbida” divulgação da foto. Ele defende que o ato viola a imagem do ator, bem como o luto da família, amigos e fãs.

“Foi uma violência, um desrespeito! Estarei tomando todas as medidas judiciais cabíveis em face de dois agentes do Estado, dois policiais militares, que divulgaram foto de meu cliente em condições que se encontrava dentro de seu quarto após suicidar-se. Esses policiais carregam a bandeira do Estado em suas fardas. Ressaltamos que a fotografia foi feita dentro da propriedade privada, sem autorização da família e divulgada em redes sociais” afirmou Guerra.

Segundo o advogado, o filho do ator, o jornalista Marcelo Migliaccio, doará a indenização caso seja reconhecida pela Justiça.

Em nota, a Polícia Militar informou que “o comandante do 35ºBPM (Itaboraí) instaurou um procedimento apuratório para analisar o caso”.

Confira a carta:



Início da carreira no teatro

Migliaccio começou a estudar teatro em 1954, no curso do italiano Ruggero Jacobbi, que o encaminhou para o grupo amador Teatro Paulista do Estudante. Foi lá que ele conheceu Oduvaldo Vianna Filho e Gianfrancesco Guarnieri.

A profissionalização como ator teve início no Teatro de Arena, de Zé Renato, onde ele participou de uma série de peças e para onde levou, inclusive, a irmã Dirce Migliaccio. Os dois atuaram em dezenas de montagens juntos.

No Teatro de Arena, ele atuou em montagens de peças como “A Revolução na América do Sul”, de Augusto Boal, “Eles Não Usam Black-Tie”, de Gianfrancesco Guarnieri, e “Chapetuba Futebol Clube”, de Oduvaldo Vianna Filho.

TV e cinema

Nas décadas de 1950 e 1960, fez pequenas pontas na TV Tupi e atuou em dois longas-metragens de Roberto Santos – “O Grande Momento” (1958) e “A Hora e a Vez de Augusto Matraga” (1965). Em 1962, participou de “Cinco Vezes Favela”, atuando em um episódio e escrevendo o roteiro de outro, com Leon Hirszman. No ano seguinte, estreou como roteirista e diretor em “Os Mendigos”.

Migliaccio começou na TV Globo em 1972, quando ficou conhecido pelo papel de Xerife, na novela “O Primeiro Amor”. O personagem fez tanto sucesso que, no mesmo ano, deu origem ao seriado “Shazan, Xerife e Companhia”, estrelado também por Paulo José.

O ator também fez sucesso com o público infantil, quando apostou no personagem “tio Maneco”. O filme “Aventuras com Tio Maneco” foi vendido para mais de 30 países e ganhou um prêmio do cinema infantil na Espanha.

Foi com Tio Vitinho, de “A Próxima Vítima”, que Migliaccio disse ter vivido seu personagem preferido. “Foi o que mais combinou comigo. Eu bolei uma coisa que considero uma das maiores criações que tive como ator, e colaborei com o texto assim: bolei que ele vivia com o travesseiro e a roupa de capa embaixo do braço, porque não tinha lugar para dormir. Comecei a desenvolver isso, a fazer uma cena dramática segurando o travesseiro; ficava engraçado.”