'Criança não tem preconceito', diz casal de transgêneros que gerou filho
Helena e Anderson tiveram Gregório na última terça (7) em Porto Alegre.
Após vencer preconceito, casal quer registrar o filho com nomes sociais.
Helena Freitas, de 26 anos, e Anderson Cunha, de 21, comemoram a
chegada do primeiro filho. O nascimento do pequeno Gregório na última
terça-feira (7), em Porto Alegre, não seria nada incomum para um jovem
casal na idade deles não fosse um detalhe: a mãe nasceu menino e o pai,
menina.
Helena e Anderson são transgêneros. O pai, que nasceu com o nome de
Andressa e assumiu sua identidade masculina aos 15 anos, foi quem
engravidou. A mãe, que prefere não revelar o nome de registro, também
mudou de gênero aos 19 anos e é biologicamente o pai do bebê.
“Sempre sonhei em ter um filho, mas nunca imaginei que seria de forma
natural. Não planejamos para agora. A gente sempre se cuidou, mas acabou
acontecendo. E estamos muito felizes”, conta Helena, empolgada.
Há uma semana, o casal passa os dias paparicando Gregório, cujo nome
foi inspirado no poeta barroco Gregório de Matos. Pais de primeira
viagem, trocam juntos as fraldas, dão banho, colocam para dormir.
Anderson amamenta o bebê e cumpre o papel de pai e mãe ao mesmo tempo.
O casal, que não esconde de ninguém sua sexualidade, já faz planos
para, no futuro, contar a Gregório que ele nasceu em uma família que
difere do modelo tradicional. “Quando ele crescer um pouco vamos dizer a
verdade, que somos um casal transexual. A criança não tem preconceito.
Na nossa família tem bastante criança e elas aceitam”, diz Helena.
Mãe e pai se conheceram há dois anos, durante um baile funk. “Eu fui ao
banheiro feminino e comentei que tinha um homem lá dentro. Ele veio
falar comigo e explicou que na verdade era uma menina. Nós começamos a
conversar e trocamos telefone, Facebook”, recorda Helena.
Depois disso, a amizade dos dois foi crescendo e os encontros ficando
cada vez mais frequentes. “A gente não conseguia mais ficar longe um do
outro”, diz ela. O relacionamento virou oficialmente namoro no final de
2014. Alguns meses depois, o casal resolveu morar junto.
A guinada na vida dos dois jovens começou com a suspeita da gravidez,
confirmada em um teste de farmácia. “Eu fiquei apavorada”, confessa
Helena. “Imagina uma pessoa bem masculina com barrigão, tendo que fazer
pré-natal e tudo mais? Ele não ficou tão empolgado, mas aceitou e em
nenhum momento teve dúvidas”.
A espera por Gregório, contudo, foi seguida por momentos difíceis.
Anderson foi demitido do emprego anterior em uma lanchonete. Helena teve
que trancar o curso de letras na faculdade e começar a se preparar para
a chegada do novo membro da família. Recebeu apoio incondicional na
empresa de telemarketing em que trabalha, onde é reconhecida pelo nome
social e muito querida por colegas.
Na rua, o preconceito contra o casal só aumentou, diz Helena. “Uma vez a
gente foi sentar em um assento preferencial no trem e um senhor disse
que machorra não ficava grávida. Enfrentamos muito preconceito, todos os
dias. As pessoas olham, comentam. As minhas amigas perguntavam como uma
pessoa que gostava de homem iria ficar com uma lésbica. E as amigas
dele diziam que eu largaria ele para ficar com outro homem. Ninguém
achava que daria certo”.
Dificuldade com o registro
A operadora de telemarketing ressalta a atenção que o casal recebeu no
Hospital Fêmina, de Porto Alegre, especializado no atendimento de
mulheres e gestantes pelo SUS. Helena diz que eles sempre foram bem
tratados por médicos, enfermeiras e funcionários do hospital, com
naturalidade.
Segundo Carla Souza Baptista, da coordenadoria de Direitos Humanos do
Grupo Hospitalar Conceição (GHC), do qual o Fêmina faz parte, foi a
primeira vez que ela recorda de um casal transgênero ter filho no
hospital. Ela diz que os hospitais do grupo possuem certificação
pró-equidade de gênero e que os funcionários são capacitados para
acolherem a diversidade.
“A gente tem trabalhado todas essas questões de gênero e diversidade,
temos uma comissão interna, cursos de aperfeiçoamento, de capacitação.
Inovamos também na questão de internação de travestis, que vão para o
quarto feminino, uma demanda antiga do movimento LGBT”, exemplifica.
Helena e Anderson só tiveram problema na hora de registrar o filho. A
mãe conta que o cartório se recusou a registrar Gregório com o nome
social dela. “Por ignorância, eles argumentaram que o documento não é
válido, mas eu uso a minha identidade social para tudo”, diz ela, que
agora pretende registrar o filho com seu nome original e depois tentar
trocar os documentos.
De acordo com o advogado Leonardo Vaz, presidente da Comissão de
Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil gaúcha (OAB-RS),
para fazer esse registro o casal pode recorrer à Justiça. “Ele precisam
ingressar com uma ação para que conste o nome social na certidão. Teriam
que fazer a alteração no registro deles também”, diz o advogado,
acrescentando que o processo não costuma ser demorado. “O Judiciário tem
entendido que não é preciso fazer a readequação de sexo para fazer a
mudança de nome”.
Para o casal acostumado a superar dificuldades e a vencer o
preconceito, esse é só mais um pequeno obstáculo. “Nunca imaginamos tudo
isso, mas aconteceu de a gente ter uma relação, se apaixonar pela
pessoa, indiferente do sexo. A gente segue junto, firme e forte. Nós
três”, conclui Helena.