Oferta de turismo sexual aumenta nas cidades-sede do Mundial
No Rio, prostitutas de outras áreas migram para orla em busca de estrangeiros
RIO E FORTALEZA — Além da bola rolando em campo, as cidades-sede da Copa do Mundo estão assistindo a uma outra disputa: a de prostitutas por clientes estrangeiros. O assédio de garotas de programa a visitantes aumentou durante o Mundial, e tradicionais pontos de encontro estão recebendo novas levas de jovens que trabalham no mercado do sexo. Uma pesquisa do Observatório da Prostituição, que reúne pesquisadores de Brasil, Canadá, EUA e Itália, mostrou que muitas profissionais do Rio têm deixado os locais onde trabalham, nos subúrbios, deslocando-se para 20 pontos, a maioria em Copacabana e Ipanema, onde há maior presença de estrangeiros.
Na Vila Mimosa, outro tradicional local de prostituição, o movimento tem sido fraco. O mercado de luxo, no entanto, estaria próspero. O GLOBO ouviu um estrangeiro que frequenta boates e, segundo ele, algumas profissionais estão recebendo propostas para passarem até três semanas com delegações estrangeiras na Região dos Lagos e na Costa Verde. O preço desses programas chega a R$ 30 mil. Nos sites de garotas de programa, a Copa do Mundo também alterou os preços. A paulista Camille Viana, de 24 anos, que trabalha na Barra, conta que, durante os jogos, criou uma tabela: brasileiros pagam R$ 300 por uma hora e meia em sua companhia, enquanto estrangeiros, R$ 500.
E nem sempre as negociações incluem sexo:
— Tenho atendido muitos italianos e espanhóis que parecem estar bastante carentes. Um grupo de italianos, por exemplo, chamou cinco meninas para uma suíte de um hotel cinco estrelas na Barra para assistirem juntos a Brasil x Croácia. Sem rolar nada.
Nas termas do Rio, o movimento é grande. No Jardim Botânico, uma delas oferece meninas vestidas com biquínis do Brasil. Em Ipanema, o funcionário de outro estabelecimento diz que o movimento tem sido intenso:
— Isso aqui está enchendo todos os dias . Às 17h, já tem estrangeiro de tudo quanto é canto.
EM NATAL, SEXO E FORRÓ A R$ 30
Em Natal, a prostituição faz parte de um pacote, em que sexo, drogas e forró saem a partir de R$ 30, na Rua Manoel Augusto Bezerra de Araújo, conhecida como Rua do Salsa, em Ponta Negra. Na última quinta-feira, O GLOBO esteve no local e presenciou meninas de 18 a 20 anos se oferecendo para torcedores estrangeiros por R$ 10.
A assessoria de imprensa da Secretaria municipal de Trabalho e Assistência Social de Natal informou que foi montado no local um Centro de Referência da Assistência Social. Fiscais verificam se há crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Campanhas contra a prostituição infantil vêm sendo realizadas nas cidades-sede. No Rio, outdoors em inglês foram instalados em diversos pontos, mostrando um homem preso por procurar turismo sexual. No último dia 12, a delegacia da Criança e do Adolescente fechou um bar e um hotel em Copacabana, acusados de permitir a exploração sexual de menores.
O Instituto Brasileiro de Turismo informou, em nota, que não tem uma campanha específica contra a prática da prostituição durante o Mundial, mas repudia e, efetivamente, adota critérios, como não sensualizar as personagens das peças publicitárias, para não vincular a imagem do Brasil à de um destino para o turismo sexual.
Em Fortaleza, adolescentes fazem ponto e polícia ignora abordagem
Nas imediações do Castelão, número de pessoas identificadas em situação de exploração sexual cresceu 162,96% nos últimos três anos
FORTALEZA - Pode ser de short, saia ou vestido: o importante é que seja bem justo e curto. Em cima de um salto ou arrastando um chinelo, crianças e adolescentes disputam as esquinas de Fortaleza oferecendo seus corpos. Nas imediações da Arena Castelão, que receberá quatros jogos na primeira fase do torneio, o número de pessoas identificadas em situação de exploração sexual cresceu 162,96% nos últimos três anos. Segundo relatório do projeto Reviver, executado pela Associação Barraca da Amizade (ABA), pertencente à Rede Ecpat Brasil, em 2010 foram feitas 54 identificações na região da arena. No ano passado, foram 142.
O adolescente D.S. tem 17 anos, mora no bairro Parque Dois Irmãos, no entorno do estádio, e faz parte dessa estatística. Há três anos, quando ainda tinha apenas 14 anos, começou a se travestir e ir às ruas em busca de programas. Hoje conta que este foi o caminho mais fácil de ganhar dinheiro e adquirir aquilo que o pai e a mãe não podiam lhe dar.
- No começo, eu saía escondido de casa. Esperava meu pai dormir, pulava o muro e ia para as ruas. Dependendo do que era para fazer, eu cobrava de R$ 5 a R$ 10 - contou ele.
Durante dois anos, D.S. passou pelo roteiro de exploração apontado no relatório do Projeto Reviver, depois foi para Barra do Ceará e hoje atua na Praia de Iracema, ambos conhecidos pontos de exploração sexual de Fortaleza. Atualmente, D.S. integra uma rede comandada por uma cafetina. Nela, o valor mínimo do programa é de R$ 150.
- Daqui só saio depois da Copa, pois vou juntar dinheiro para colocar meu silicone e viajar para Belo Horizonte. Já tem um monte de turista gringo esperando pela gente nessa Copa, vai bombar.
E foi em busca de colocar silicone que D.S. já foi para São Paulo, como vítima de tráfico humano.
- Eles me prometeram uma situação melhor, para ganhar mais e morar bem. Mas, quando cheguei lá, não era nada do combinado. Consegui fugir e voltei para cá.
Nesses locais onde D.S. começou a trabalhar, a exploração sexual e a prostituição é diuturna. Às 14h, em uma simples volta pela Avenida Juscelino Kubitscheck, uma das mais importantes de Fortaleza, a equipe do GLOBO presenciou adolescentes em plena atividade. Em frente ao Hospital Sarah Kubitschek, que fica próximo à Arena Castelão, duas adolescentes de 15 anos faziam ponto, e a abordagem dos clientes acontecia mesmo estando os policiais do Ronda do Quarteirão parados bem atrás, a poucos metros de distância delas.
Durante dois dias a reportagem tentou contato com as adolescentes que foram flagradas no entorno da Arena Castelão e fotografadas em frente ao Hospital Sarah Kubitscheck, mas nenhuma delas quis conversar com a equipe. Moradores e comerciantes da região informaram, no entanto, que as duas jovens são vistas diariamente em frente ao hospital e que ambas têm 15 anos. Sobre a atuação da polícia nesses casos, um trabalhador da construção civil que bate ponto no local diariamente disse que as equipes do Ronda do Quarteirão nunca se manifestam a respeito, mesmo sabendo que se tratam de duas adolescentes.
D.S. concorda. Diz que é muito raro haver uma fiscalização real contra a exploração sexual infanto-juvenil em Fortaleza.
- Isso só acontece quando algum cliente é assaltado, aí a polícia vem e revista. Perguntam se somos de maior, mas também é difícil pedirem a documentação. Quando pedem, a gente apresenta a identidade falsa. Quando não, só afirmamos que temos 18 anos, e eles liberam - conta o menor.