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terça-feira, 8 de dezembro de 2020

RESISTÊNCIA: A LUTA PARA TER O MEU CABELO CRESPO DO JEITO QUE SEMPRE QUIS! por Gabriela Kinderoeva

 Me pediram pra contar a história do meu cabelo. Então, lá vai: 


Nem sempre assumi meu cabelo crespo. Em 1996, quando meus pais descobriram que eu era uma menina, a primeira piada sobre mim foi que na hora do meu parto, em vez do meu pai levar uma câmera, ele levaria Pasta (produto alisante) pra já começar a amenizar a situação, ou evitar a humilhação. Quando criança, não tive tempo de sofrer preconceito sobre o meu crespo, porque comecei a usar produtos relaxantes muito cedo. E NUNCA, NUNCA mesmo saia sem estar com os cabelos trançados. Eu odiava meu cabelo.

 Ao contrário de muitas, eu queria o cabelo cacheado, não liso. Usei toin toin, afrohair, amacihair, hidróxido de sódio, hidróxido de cálcio... E nada me dava os cachos perfeitos que tanto queria. Então o usava preso, bem esticado pra trás. E quando queria soltá-lo, fazia escova + prancha e mantinha por algum tempo com "brawn", hoje chamada de escova modeladora. Olha, até pente quente já usei pra ver se "dava jeito" na "carapinha". Mas meu crespo, super revolucionário gritava pra que eu o assumisse. E resistia à qualquer tipo de mudança que eu tentava fazer nele. 

Lembro que um dia, colocando megahair, tinha uma cliente ao meu lado implantando cabelo crespo. Franzi a testa e pensei "Nossa, que corajosa! Por que uma pessoa quereria ter cabelo duro? Ficou maravilhoso o Black power, mas se é pra ter cabelo duro, fico com o meu. Eu quero cachos."

 E foi assim até meus 16 anos, quando olhei no espelho e não me vi. Começou a crise de identidade. Quem sou eu? Eu não sou a menina que estou vendo. Esse cabelo é de outra pessoa, o que está fazendo na minha cabeça? Como é o meu cabelo? Meu Deus, eu nunca vi meu cabelo de verdade! 

 Por quê? Eu nem sabia como era meu cabelo, não tinha nenhuma noção da tamanha perfeição que saia de minha cabeça naturalmente. Sem nenhum cheiro forte ou queimaduras. Só meu crespo, cheio de vida, macio feito algodão. Resolvi descobrir. Adeus megahair! Mas, tá estranho. A raiz tá fofa, tem uns fios sem textura definida. O que é isso? Não dá pra ficar assim! 


Então, voltei ao início. Olá tranças, que saudade de vocês! (São minhas melhores amigas até hoje).

 Mas não por eu odiar meu cabelo, muito pelo contrário. Elas só me ajudam a mantê-lo mesmo com a correria (ou preguiça) do dia-a-dia. 


Enquanto usava tranças, meu cabelo crescia e eu ficava cada vez mais ansiosa. Até que não deu 3 meses usando, e tirei as tranças. Mas eu tinha medo do preconceito. Tinha medo do meu próprio preconceito, de olhar no espelho e não conseguir aceitar o que via. Então decidi que tiraria as tranças no salão, pra não ter tempo de me odiar. Então assim que as tirei, sentei na cadeira pra relaxar o cabelo. Mais uma vez com a ideia de cachos perfeitos na cabeça. Depois do relaxamento, olhei no espelho aquela coisa minguada, quase lisa. E chorosa só consegui dizer "Ta horrível, raspa". Mas eu era menor, minha voz não foi ouvida e fui pra casa me escondendo dos olhares tortos na rua. Depois de seco, foram surgindo uns cachinhos, e me animei um pouco. Tanto que no mês seguinte, "fiz a raiz" outra vez. E o resultado me deixou triste igual. Parecia que eu tinha me traído. 

Passaram dois, três, alguns meses e eu ouvia todos os dias da minha mãe: "Não vai fazer essa raiz não? Seu cabelo ta muito duro". Minha resposta era sempre "não, mãe. Não vou fazer."  E ela retrucava "Nunca mais?" 

E eu "é mãe, nunca mais!". Mal sabia eu que estava resistindo à padrões. 

Resolvi refazer as tranças. Dessa vez, com a intensão de "agilizar" o crescimento do meu cabelo. E prometi a mim que na próxima vez que tirasse, iria cortar a parte feia. 

E fiz, com minhas próprias mãos. Primeiro nas laterais e atrás. Não tive coragem suficiente pra terminar de cortar. Refiz as tranças. Quando tirei, cortei a parte quimicada restante. Confesso que fiquei com medo de me encarar no primeiro minuto.

Respire, pensei. 

Quando me vi, simplesmente não conseguia parar de sorrir.

 Quem era aquela moça? Eu? Nossa! Eu sou linda desse jeito? CARA, MEU CABELO! Olha isso, sente só... Sentiu? É meu. É natural. Saiu da minha cabeça, sabia? E adivinha só, não é duro como dizem por aí, acredita? Não? Então sente. Sente só que maravilha! Meu cabelo é perfeito, olha bem. Olha de perto. Sente o cheirinho, passa o rosto. Parece algodão, não é? Hahaha eu sou a rainha do algodão. Pode puxar, é real. Não tá preso por elastex ou cola. Sai algodão de dentro da minha cabeça. Eu sou maravilhosa, meu cabelo é maravilhoso. E AI de quem disser o contrário.

Assumir meu cabelo, foi um salto no abismo. Eu não sabia como seria pelo fato de não conhecer minha verdade. Foi um salto, ainda estou caindo. Mas é aquilo, você só tem medo na hora do pulo, a queda livre é maravilhosa, uma experiência única! 

O conselho que deixo pra quem teve coragem de ler até aqui, principalmente pras que estão em transição, se resume em uma só palavra: RESISTÊNCIA. É só isso que você precisa pra ultrapassar o seu limite de "Não aguento mais meu cabelo desse jeito". E passar pra fase "Eu sou naturalmente maravilhosa". É um salto grande, mas o medo que você sente agora, se transformará em amor próprio quando tiver pronta pra se assumir como é. Muita paz, muita luz pra vocês. E lembre-se: Resistir sempre!


Gabriela Kinderoeva, é modelo GPMS, Miss Simpatia GPMS e Miss Beleza GPMS 2019