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sábado, 16 de agosto de 2014

A lei das religiões sobre o dinheiro

Rico vai para o céu? 

É pecado cobrar juros? 



Ficar rico pode ser um presente de Deus ou, quem sabe, o caminho mais curto para o inferno. Quando o assunto é dinheiro, cada religião tem suas particularidades, que podem ir de dádiva a desgraça. Mas todas elas concordam num ponto: ajudar o próximo é obrigação de quem enriquece.
As cinco maiores religiões do mundo por número de fiéis – cristianismo (catolicismo e protestantismo), islamismo, hinduísmo, budismo e judaísmo – interpretam as escrituras sagradas ou pregam na doutrina como o fiel deve se comportar quanto aos recursos materiais ou terrenos.
Acumular riquezas ou despojar-se de todas as posses são, muitas vezes, faces da mesma moeda perante Deus. Isso porque esses dois elementos significam o grau máximo de aproximação com o Divino. Estudiosos das religiões sintetizam a visão de cada uma delas.
CATOLICISMO
"Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra todo tipo de ganância; a vida de um homem não consiste na quantidade dos seus bens". (Lucas 12:15)
Para a igreja católica, ter muito dinheiro é uma questão secundária. “O importante é o que o fiel faz com seu dinheiro e como o adquiriu”, comenta o sociólogo da religião e coordenador do núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP, Francisco Borba Ribeiro Neto.
Ganhar dinheiro tirando proveito do sofrimento ou do sacrifício alheio, por exemplo, é injusto aos olhos de Deus, mesmo que a atividade seja legalmente justa para os homens. Ao longo da história, contudo, a igreja afrouxou sua interpretação sobre dívidas e empréstimos.
Na Idade Média, cobrar juros era considerado pecado de usura, uma vez que o dono do dinheiro se valia de uma fragilidade alheia para extrair lucro, segundo Ribeiro Neto. “Hoje, o empréstimo a juros não é mais pecado para a Igreja, ainda que o uso do dinheiro para prejudicar alguém em necessidade seja condenável”, analisa.
Quem guarda dinheiro só para si, sem pensar no outro, completa o professor, não está condenado por Deus, mas também deixa de usufruir da Sua graça. Já gerar ou provocar a pobreza de uma pessoa é falta grave aos olhos do Divino.
“O homem que empobreceu e sofre carências porque a sociedade não lhe deu o que era devido é vítima do pecado de todos os demais”, explica o docente. Neste ponto, ainda que as escrituras desconhecessem o termo ‘capitalismo’, pode-se interpretar a visão como uma crítica ao sistema, segundo Ribeiro Neto. "O evangelho é muito duro com quem deixou de dar socorro ao pobre".
Outro ângulo da pobreza é quando o fiel se reconhece pobre e doa tudo o que tem como forma de doação a Deus, explica o sociólogo da religião. “Esta pobreza corresponde ao maior ideal evangélico do catolicismo. O máximo da comunhão com Deus acontece quando o fiel está disponível à pobreza total. Esse é o estágio final da caminhada de conversão, o abandono de bens materiais”.
Ninguém vai para o inferno porque não dá esmolas, segundo o professor. “Essa obrigatoriedade existia antigamente e era uma forma de a Igreja garantir a mínima distribuição em uma sociedade onde o pobre não tinha recursos. Com o tempo, a Igreja percebeu que essa obrigação gerava formalismo e não atendia ao espírito da proposta de doação”.
Quanto ao dízimo, completa Ribeiro Neto, é um exercício feito por puro desponte para ajudar a Igreja em sua sobrevivência material, e não por obrigação. "O valor a ser pago não é mais 10% dos ganhos. Ele é definido pelo fiel conforme suas possibilidades".
PROTESTANTISMO
"Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas serão acrescentadas a vocês". (Mateus 6:33)
Há duas grandes vertentes das igrejas protestantes quanto ao dinheiro. A primeira o vê como um recurso necessário para a manutenção da comunidade e o pagamento das despesas terrenas. Essa é a linha seguida pelas igrejas presbiteriana, batista, anglicana e até a católica, como explica o sociólogo da religião especializado em protestantismo da PUC-SP, Edin Sued.
Em algumas igrejas neopentecostais, prevalece a segunda interpretação, de que o dinheiro é um mediador espiritual do sacrifício religioso. Não importa como ele é empregado, tampouco o que o pastor faz com ele. “[O dinheiro] é a maneira de o fiel mostrar sua lealdade e compromisso com Deus. Pagar o dízimo é uma obrigação religiosa”, afirma o professor. É o caso da Assembleia de Deus, Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus e Renascer em Cristo.
Por essa interpretação, o sacrifício é monetizado. Estas igrejas neopentecostais não prestam contas do que arrecadam para o fiel. “Antes, o mediador do sacrifício era um animal, um pombo, uma ovelha. Hoje é o salário do fiel”, analisa o estudioso.
Dentro desta linha, está a teologia da prosperidade, que surgiu nos Estados Unidos na década de 1930. O pensamento prega que recursos materiais, como a casa própria e o automóvel, são conquistas terrenas que devem ser usufruídas em vida, e consequências da fidelidade com Deus. “Se você foi fiel, dando dinheiro e tendo um comportamento respeitável, tem o direito de cobrar Dele as promessas de um retorno material”, explica Sued.
Assim como no catolicismo, as religiões protestantes não veem problema quanto ao enriquecimento do indivíduo, desde que ele seja fruto do trabalho honesto, completa o estudioso. Não há uma determinação sobre a cobrança de juros, mas também condena-se a usura e a exploração do próximo ao conceder crédito.
ISLAMISMO
"E quem estende o prazo para o devedor que tem dificuldade em pagar um empréstimo receberá uma recompensa de caridade por cada dia que assim fizer”. (Ibn Majaah)
O islamismo não vê problemas quanto à riqueza individual, desde que ela seja distribuída a partir de um certo grau, explica o cientista da religião, especialista em islamismo e religiões orientais, Frank Usarski. A lei religiosa reconhece as posses particulares, mas estabelece um empoderamento social em torno de 2% a 3% sobre determinados bens, segundo o estudioso.
“Neste sentido, entende-se como uma terceira via entre o capitalismo e o socialismo. Por um lado, o Islã incentiva a autonomia e atividade econômica, por outro, preocupa-se com a igualdade social.
O perdão de um calote, por exemplo, é incentivado, segundo ditos do profeta Maomé no Alcorão, sagrada escritura do islamismo. “E, se um devedor estiver em dificuldade, concedei-lhe espera, até que tenha facilidade. [2:280]”, diz a passagem.
Isso também é visto como uma dádiva de Deus. “Quem emprestar dinheiro a uma pessoa com dificuldade receberá uma recompensa de caridade para cada dia que der à pessoa. E quem estende o prazo para o devedor que tem dificuldade em pagar um empréstimo receberá uma recompensa de caridade por cada dia que assim fizer (Ibn Majaah)".
RELIGIÕES ORIENTAIS
“Os homens que perdem a saúde para juntar dinheiro e depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde; por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem o presente, de tal forma que acabam por nem viver no presente nem no futuro". (Buda)
Para o budismo, que segue os princípios monásticos (abdicar de objetivos comuns dos homens em prol da religião), o apego material é visto como perigoso e contraproducente ao nirvana [elevação espiritual], explica o cientista da religião Usarski. “O monge não tem propriedades, tudo é social e pertence ao mosteiro”, observa. Mas esse desapego não é aplicado para o leigo fiel, que tem a obrigação de ajudar na sobrevivência dos mosteiros.
“A tarefa religiosa do fiel é sustentar o monge com doações, roupas e a manutenção de suas instalações”, explica o estudioso. Quanto ao hinduísmo, o estágio de vida do fiel vai determinar suas atitudes e sua relação com o dinheiro. A elevação espiritual é gradual e tem a ver com o abandono das posses pessoais.
Na primeira fase da vida, o hindu busca se espiritualizar e preparar-se para o casamento, a segunda fase, na qual ele é livre para usufruir de sucesso material e riqueza sem nenhum problema. Mas no terceiro estágio da vida, o fiel deve conseguir se desvincular de seus bens e retornar para a vida espiritual que marcava o início de sua vida, explica Usarski.
JUDAÍSMO
“A mesma lei que se aplica a um centavo aplica-se a cem." (Sanedrin; 8)
A religião judaica permite ao homem enriquecer, desde que se tenha a consciência da obrigatoriedade de doar 10% de suas posses para caridade (ou tzedak, que significa justica social), como explica o sociólogo, professor de judaísmo e guia turístico em Israel, Marcel Berditchevsky.
“Outra exigência é que o judeu seja discreto, sem esbanjar sua fortuna ou viver na luxúria”. Encontrar-se na situação de pobreza, por sua vez, é passar por um teste divino, no entendimento da religião. Berditchevsky explica que o pobre deve ser assistido dentro dos serviços beneficentes, que são baseados nos 10% doados por todos para o fim da justica social.
Quanto aos juros, é proibido emprestar ou tomar emprestado de um judeu, segundo o sociólogo. “A proibição contra os juros inclui dinheiro, artigos, e mesmo palavras. Além disso, qualquer um envolvido na negociação peca, como as testemunhas e fiadores”, explica.
Mas há exceções. Para conduzir um empréstimo para outro judeu, é possível utilizar um contrato chamado haláchico especial (que transforma o status do envolvido em sócio silencioso). Para isso, deve-se consultar uma autoridade haláchica competente, aponta Berditchevsky.
A Torá, escrita sagrada do judaísmo também se refere aos juros com "neshech", que significa mordida, lembra o estudioso. Está nas escrituras: "Não aja da maneira como a cobra, astutamente oferecendo empréstimo a alguém, e depois extorquindo dinheiro dele através de juros, e gradualmente tomando posse de suas casas, campos e vinhedos por não conseguir pagar os juros."