Imagine um
velório onde as pessoas se despedem do morto sem sair de seus carros: basta
entrar numa fila, estacionar por alguns minutos e, da janela do veículo, o
motorista e seus acompanhantes podem registrar sua presença ver o caixão e
prestar ao morto uma última homenagem. Brincadeira de mau gosto? Antes fosse.
Os velórios drive-through, no estilo McDonald’s, já são uma realidade nos
Estados Unidos. E, por mais absurdos que pareçam, são apenas uma das milhares
de manifestações de uma das características mais definidoras da nossa
época: a pressa. Recentemente, entrevistei o escritor
canadense Carl Honoré, autor do livro Devagar (Editora Record), sobre a
aceleração dos nossos tempos e, além do velório drive-through, ele apontou,
como exemplo da pressa sem sentido, um “curso de ioga par quem não tem tempo”!
Não é à toa que o filósofo Mario Sergio Cortella diz que, hoje, a gente olha
para o relógio, não para saber que horas são, mas para ver quanto tempo falta.
Estamos sempre correndo para fazer alguma coisa. E, cada vez mais, expressões
como “superatrasado”, “em cima da hora” e “morrendo de pressa” fazem parte do
nosso vocabulário – e das nossas angústias.
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É dentro desse espírito que adotamos o hábito de conciliar – ou forçar a
convivência – atividades que normalmente exigem atenção. Dirigir falando ao
celular; ler com a TV ligada; responder e-mails enquanto engolimos o lanche da
noite; coordenar uma reunião atendendo ao celular a cada cinco minutos.
Multitarefas? É o nome que se dá a essa capacidade de somar peras e bananas –
que, para alguns, é virtude, para outros, loucura. Carl Honoré lembra que as
pesquisas mais recentes vem demonstrando que nosso cérebro não é tão bom em
multitarefas quanto pensávamos. Podemos até fazer várias coisas ao mesmo tempo,
mas a chance de fazê-las bem-feitas é mínima. E o desgaste mental costuma se
imenso.
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“A velocidade vicia”,
adverte Honoré. E, como todo vício, pode trazer prejuízos para a saúde.
Estimulados pelo ritmo e pelas possibilidades da tecnologia, temos tentado
imprimir às nossas vidas uma aceleração que, quase sempre, se traduz em
irritabilidade, ansiedade, cansaço e, acima de tudo, uma intolerância imensa
com nossos próprios limites e com o ritmo mais lento de outras pessoas. Querer
fazer tudo às pressas, ou tudo ao mesmo tempo, tem nos roubado de nós mesmos.
Voltar a fazer uma coisa de cada vez, quando for possível, pode soar banal, mas
nos deixa mais próximos da tão sonhada qualidade de vida. Viver com o pé no
acelerador, como se tudo fosse “para ontem”, é castigar o presente e – o que é
pior – pode comprometer nosso futuro.
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.Leila Ferreira,
jornalista